Abaixo-Assinado (#4802):

CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO

Destinatário: cgm@cultura.org.br

Cheguei recentemente de Portugal, entusiasmada com a reação dos lusitanos contra o Acordo Ortográfico. Num país com cerca de 10 milhões de habitantes, eles já recolheram quase 200 mil assinaturas em defesa do próprio patrimônio lingüístico. Palmas para os portugueses, que respeitam o idioma que falam e sabem que a língua, um organismo vivo, modifica-se de baixo para cima. Até virar norma culta, o povão já cansou da novidade. Ou seja, as mudanças acontecem naturalmente e impor regra é tolice.
Acho que também devemos defender as nossas idiossincrasias. Cada roca com seu fuso, cada língua com o seu uso. Falamos o mesmo idioma, mas em expressões distintas, pois distintos são as nossas Histórias e o nosso caráter.
O idioma é a mais forte representação de uma nacionalidade e mudá-lo por decreto é desrespeitar os seus usuários. A lingüística ensina que uma língua é um sistema de signos utilizado pelo mesmo grupo social. O “brasileiro”, como os portugueses qualificam a nossa linguagem, é um sistema fortíssimo, com quase 200 milhões de falantes. Nós o estamos construindo há 500 anos, enriquecendo-o à nossa maneira, adaptando as normas gramaticais às nossas particularidades, nacionalizando termos de todas as áreas do saber. Das ciências, da tecnologia, de correntes de pensamentos e até gírias.
O texto introdutório do Acordo afirma que, através dele, os países lusófonos alcançarão prestígio internacional. Lamento discordar, ninguém precisa abrir mão de suas características para ser respeitado. O português do Brasil codifica um ciclo completo da produção industrial: nós extraímos o ferro e o transformamos em aviões com tecnologia de ponta, enriquecemos urânio, desenvolvemos vacinas. Apenas três exemplos de atividades codificadas pelo “brasileiro”. Há mais, muitas mais. O respeito, portanto, vem a reboque do desenvolvimento. Tremas, hífens e acentos agudos nada têm a ver com a importância que o mundo dá a um País.
Nos últimos 50 anos, o “brasileiro” passou por três reformas. A última, em 1971, sumiu com grande parte dos acentos diferenciais. Na época, nasciam os atuais repórteres de rádio e televisão que hoje, noticiando a Gripe Suína, confundem cepa (com E aberto, significa plantas da família das liliáceas) com cêpa (linhagem, origem). Após 1971, os dois vocábulos passaram a ser grafados igualmente: cepa. Resultado: quem escuta alguns jornalistas divulgando a pandemia, confundindo cépa com cêpa, acredita que o vírus é uma babosa assassina capaz de contaminar as pessoas com a gosma. Já não é suficiente tanta confusão? Precisamos aumentá-la? Por quê? Para quê? Baseados nos argumentos de que, no mundo moderno, não há lugar para a dupla expressão lingüística? Que a padronização favorece a aproximação cultural e econômica?
Em inglês há muitas discordâncias. Para ficarmos no básico: nos Estados Unidos, agenda se chama Appointment Book. Na Inglaterra, Diary. Num lado Metrô é Subway. No outro, vira Underground. O norte-americano grafa favorite, Gray e theater. Os ingleses escrevem favourite, grey e theatre. E não há notícias de que alguns gênios de plantão pretendam modificar a (ainda) língua mais poderosa do mundo. Diversas construções sul-americanas, além da matriz hispânica, fazem o idioma espanhol. João Sedycias, professor titular na Universidade de Newwark, afirma que “a língua espanhola não é idêntica em todos os lugares (...)”. Até onde sei, também não há Cervantes debruçados nas diferenças, tentando pasteurizar as distintas emoções.
Próxima culturalmente, a comunidade lusófona sempre foi. Nunca existiu problema de comunicação no mundo português. Aliás, se existisse, o que seria das nossas novelas? OK, a proximidade econômica deixa a desejar. Mas não será este Acordo pornográfico – quero dizer, ortográfico - que mudará alguma coisa.
Respeitemos as diversas expressões da maravilhosa língua portuguesa. Elas representam ricas e diferentes Histórias. Seguindo o exemplo do além mar, respeitemos, principalmente, a nós e à nossa cultura. Façamos chegar ao Ministro da Cultura (cgm@cultura.gov.br) o nosso protesto.
Hare Baba, ainda há tempo. Vamos recusar o Acordo Ortográfico.




PUBLICADO NO JORNAL GLOBO.


31 de julho de 2009, página sete, Primeiro Caderno, seção Opinião.

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