Abaixo-Assinado (#4909):

CARTA AOS ASSISTENTES SOCIAIS - Práticas Terapêuticas

Destinatário: Assistentes Sociais do Rio Grande do Sul

Prezados colegas:

Nós, assistentes sociais abaixo assinados, expressamos nosso desacordo com o PARECER JURÍDICO N˚16/08, com o PARECER JURÍDICO N˚11/09, com a MANIFESTAÇÃO JURÍDICA Nº30/09 e requeremos a sustação definitiva de qualquer encaminhamento à aprovação de ato ou medida contrária às práticas terapêuticas e à clínica no Serviço Social. Este posicionamento se fundamenta, por um lado, na Constituição Federal de 1988, na Lei de Regulamentação da Profissão N˚8.662/93 e no Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Por outro lado, tem como base a experiência acumulada em nossos percursos singulares e coletivos no campo do Serviço Social, em diferentes níveis da formação e em distintas instâncias do exercício profissional, no Brasil e no exterior.

APRESENTAÇÃO

Entendemos os cuidados adotados pelo Conselho Federal e pelos Conselhos Regionais, notadamente os de suas comissões de ética. Estes Conselhos, é claro, devem zelar pelo bom nome da profissão de assistente social visando prevenir, e até mesmo punir qualquer tipo de charlatanismo – risco ao qual estão sujeitas todas as profissões – e qualquer ação contrária às normas legais que regem o exercício profissional. De fato, é atribuição dos conselhos protegerem a sociedade ao zelarem pela qualidade do trabalho a ela prestado pelas categorias profissionais que representam — no caso a dos assistentes sociais; mas, também, cumpre notar que é atribuição dos conselhos protegerem as categorias que representam no sentido de legitimar suas respectivas especificidades, tanto através do conhecimento e reconhecimento do que já está dado pela profissão (instituído), quanto do que está em construção (instituinte) pelos profissionais na diversidade de um mundo complexo e em crise.
Várias outras profissões têm, cada vez mais, não só se aberto à criação técnico-científica de seus integrantes, como, também, consolidado suas ações clínicas no campo social, tais como a medicina através da psiquiatria social, a psicologia através da psicologia política, a psicanálise através da etnopsicanálise e a sociologia através da sociologia clínica — para citarmos apenas algumas. Assim, pelas razões expostas a seguir, manifestamos nossa divergência em relação aos pareceres acima citados por entendermos que tais documentos estão construídos sobre premissas falsas. Trata-se, portanto, de documentos equivocados e que, nesta condição, impõem sério risco à profissão na medida em que a expõe à opinião pública sem sequer se sustentarem numa sólida base histórica, deontológica, epistemológica e teórico-metodológica.

ARGUMENTAÇÃO

Os pareceres e a manifestação citados indicam partir do senso comum do que sejam práticas terapêuticas e clínica; e, até mesmo, certo preconceito com tais noções. De nossa parte propomos trabalhar não com pré-conceitos, mas com a permanente construção de conceitos. Assim, a respeito da noção de clínica (do grego: klinē), por exemplo, vale lembrar que a clínica se encontra lá onde se encontra o sujeito em situação de sofrimento — seja ele sujeito singular ou sujeito social. Há sempre uma dimensão clínica em qualquer profissão. O que varia é o ângulo através do qual o objeto é delimitado nesta ou naquela profissão, e o foco pelo qual esse objeto é trabalhado.
A dimensão clínica nas diferentes profissões é hoje reconhecida pela comunidade científica internacional, levando-nos à psicologia social clínica, à nutrição clínica, à filosofia clínica, à engenharia clínica, à sociologia clínica, à geografia clínica, e assim por diante. Claro, nem todas as profissões têm a dimensão clínica como central, mas no estágio atual do desenvolvimento da ciência (que, aliás, significa sair da inconsciência), reelabora-se outro entendimento de clínica que, para nós, assistentes sociais, é central. Hoje, é o social que está em sofrimento. Assim, há os profissionais do serviço social clínico (com diferentes linhas), mas há, também, os assistentes sociais terapeutas de família, terapeutas comunitários, assistentes sociais psiquiátricos, clínicos do trabalho, entre outras especificidades. Tais especificidades são fruto de um profundo e longo percurso de cada um desses profissionais — percurso no qual houve investimento intelectual, científico, cognitivo, ético-moral, afetivo e financeiro (inclusive financiamento público, através de bolsas do CNPq e da CAPES). É bom lembrar que, aqueles assistentes sociais que, passo a passo, construíram ou constroem sua formação, o fizeram ou fazem dentro de quadro institucional com diplomação reconhecida pela comunidade científica nacional e, em muitos casos, internacional. Mais do que definir respostas e cristalizá-las como verdades absolutas e eternas, entendemos que o pensamento científico que move a construção do humano – construção sempre inacabada – se caracteriza pela capacidade prioritária da dúvida e, em decorrência, a de se fazer perguntas. Portanto, numa profissão viva, não há como não inventar ou não inovar, isto é: não há como não criar. A criação contribui para o desenvolvimento e consolidação pública de uma profissão permitindo ao instituinte atualizar dialeticamente o instituído.
Para o Serviço Social, o sujeito não é um ser dissociado do seu contexto social e histórico; e o objeto da ação e da intervenção profissionais – a questão social – não é um objeto simples, objetivo e quantificável. Ao contrário, somos convocados pela intersetorialidade, pela interdisciplinaridade, pela interprofissionalidade e, até mesmo, pela transdisciplinaridade. É devido à complexidade de seu objeto que, para nós, o Serviço Social não se situa no terreno das ciências empírico-analíticas (herdeiro da tradição positivista), mas no das ciências histórico-hermenêuticas (herdeiro da tradição compreensiva). É vital para a nossa profissão, a interlocução com as diferentes áreas do conhecimento e a busca de aperfeiçoamento em outros campos do saber — movimento que, é claro, impulsiona à criação permanente. É incompreensível uma profissão se cercear tanto – conforme denotam os pareceres e a manifestação supramencionados – enquanto as demais profissões, reconhecendo a complexidade do seu objeto diante do mundo e do sujeito, e do sujeito no mundo, se abrem movidas pela liberdade e interrogação contínua, e se abrem, justamente, para o campo social. Entendemos que o Serviço Social real vai além do Serviço Social prescrito que, a continuar assim, constrangendo a contribuição de uma fatia significativa da categoria, corre o risco de se tornar proscrito.

REIVINDICAÇÃO

Considerando que, para os assistentes sociais signatários desta Carta, os pareceres e a manifestação supramencionados não são representativos de parte significativa da categoria na medida em que não se apóiam nas questões de fundo da profissão, e que, mais grave ainda, mesmo superficiais porque inconsistentes, esses documentos conseguem ser excludentes, reivindicamos, conforme referido no início, a imediata suspensão de encaminhamento para aprovação de todo e qualquer ato ou medida que impeça o exercício profissional entendido como clínico ou práticas terapêuticas. Assim, fruto de reuniões e de discussões, do engajamento de nossos pensamentos, aspirações e compromisso ético-político com a profissão, encaminhamos esta Carta como contribuição à necessária continuidade do debate em curso sobre clínica e práticas terapêuticas no Serviço Social, tornando público nosso posicionamento.

Porto Alegre, 22 de julho de 2009.

Signatários:

Adriane Ferrarini (CRESS 10ª Região N° 3718)
Andreia Podlasnisky dos Santos (CRESS 10ª Região N° 5745)
Cláudia Deitos Giongo (CRESS 10ª Região N° 2838)
Doris Monteiro Schuck (CRESS 10ª Região N° 3380)
Eliane Donato Castro (CRESS 10ª Região Nº 1187)
Heliete Karam (CRESS 10ª Região N° 816)
Jacqueline Picoral Dal Molin (CRESS 10ª Região N° 5650)
Larice Maria Bonato Germani (CRESS 10ª Região N° 1728)
Lilian Milheira Tuerlinckx (CRESS 10ª Região N° 2924)
Luiza Helena Dalpiaz (CRESS 10ª Região N° 1944)
Maria Cristina Presser Vacaro (CRESS 10ª Região N° 0185-Sec)
Maria Inês Santos (CRESS 10ª Região N° 1261)
Maria Lúcia Amaral (CRESS 10ª Região N° 1028)
Rosali Maria Becker (CRESS 10ª Região N° 1065)
Rosane Brusius de Moraes (CRESS 10ª Região N° 4437)
Sinara Peixoto (CRESS 10ª Região N° 6787)
Sylvia Baldino Nabinger (CRESS 10ª Região N° 806)
Vanda Lucia Dimer Webber (CRESS 10ª Região N° 3348)

Apoio Institucional:

AGATEF: Associação Gaúcha de Terapia Familiar

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