Abaixo-Assinado (#46194):

EDUCAR AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Destinatário: Todos


EDUCAR AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


Nota de apoio ao Doutor Gustavo Henrique Araújo Forde,
contra o racismo e
em defesa de uma educação das relações étnico-raciais nas escolas públicas e privadas de todos os níveis.

Nos últimos meses no Brasil temos assistido retrocessos no campo da educação para as relações étnico-raciais e, de forma mais ampla, das relações sociais diplomáticas como um todo. As conquistas dos movimentos sociais negros e quilombolas na área dos direitos territoriais, culturais e educacionais (Art. 215 e 216 das Disposições Permanentes e Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988; Decreto 4887/2003 e Lei 10.639/2003) têm sido sistematicamente ameaçadas. Da mesma forma, tem sido ameaçada a Liberdade de Cátedra, de expressão e pensamento dos professores universitários, bem como professores/as dos Ensinos Fundamental e Médio têm sido retirados/as a força de salas de aula sob um argumento infundado de estarem praticando doutrinações ideológicas.
Tais ameaças vêm ocorrendo em diferentes escalas e momentos políticos. Elas foram anunciadas no período da campanha eleitoral do atual presidente da República e, no presente, além de estarem sendo implementadas nas instâncias administrativas de governo, alguns segmentos e agentes sociais e políticos, que se definem como de “direita”, se sentem estimulados e encorajados também eles a colocarem em prática (nas redes sociais e na vida real) ações pouco respeitosas, educadas e diplomáticas do ponto de vista das relações étnico-raciais. Essa é uma atitude que vimos acontecer nos últimos dias com o prof. negro da Universidade Federal do Espírito Santo Gustavo Henrique Araújo Forde, que é licenciado em Matemática e cursou mestrado e doutorado em Educação, perfazendo cerca de 11 (onze) anos de formação acadêmica.
Gustavo tem uma trajetória de engajamento político nos movimentos sociais negros contra o racismo. Foi servidor no IFES de Vitória e atualmente ocupa uma cadeira como professor de Educação das Relações Étnico-Raciais, disciplina para a qual prestou concurso público com mais de cem candidatas/os e foi aprovado na UFES em primeiro lugar. No último mês de abril, o referido professor lançou no auditório da Centro de Educação da UFES, o seu livro “Vozes negras na história da educação: racismo, educação e movimento negro no Espírito Santo (1978-2002)”, que é resultado de sua tese de doutoramento. Também antes do início do ano letivo de 2019, especificamente em fevereiro, ele foi nomeado Pró-Reitor de Assuntos Estudantis e Cidadania. Além disso, do mês de fevereiro de 2017 a janeiro de 2019, foi Diretor de Cidadania e Direitos Humanos da mesma Universidade, e, em 2018, coordenou a I Conferência de Ações Afirmativas da UFES. Devido ao mencionado lançamento de seu livro, o jornal A Gazeta realizou entrevista e publicou uma matéria dando destaque a uma foto do doutor Gustavo Forde. Visto que o jornal tem versão também online, a matéria circulou nas redes sociais, proporcionando visibilidade ao seu trabalho e sua entrevista expôs as feridas não curadas do racismo no contexto capixaba.
Entendemos que são nesses momentos de ascensão social de um profissional negro bem conceituado, que geralmente o racismo estrutural, como escrevera Munanga (MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. Brasília: MEC/BID/Unesco, 2005), se manifesta de diferentes formas, e o chamado ideal de democracia racial não mais dá conta de educar as mentes e comportamentos de pessoas que agridem verbalmente (e em outros momentos também fisicamente) movidas pelo que a pesquisa do sociólogo Oracy Nogueira, encomendada pela Unesco, identificou e definiu como “o preconceito de marca racial” (NOGUEIRA, Oracy. O preconceito de marca. São Paulo: EDUSP, 1998). Em suas ações, o preconceituoso faz juízo de valor sobre pessoas negras sem conhecê-las, mas apenas a partir de suas aparências físicas, isto é, “marcas raciais”. Os comentários que surgiram, feitos por pessoas que, provavelmente, nunca conversaram com o pesquisador e doutor em educação, Gustavo Forde, são repugnantes e reprováveis em um país que, desde a primeira metade do século XX, supôs existir um potencial de democracia racial e o no final do mesmo século e início do século XXI o Governo Brasileiro propôs dar início a construção, de fato, de tal democracia.
Em uma breve análise dos comentários, verificamos que os olhares dos que atacaram o professor Gustavo na web, julgaram, segundo suas escritas, o “perfil” e a “aparência desse doutor filósofo”. Os comentários revelam também que se trata de um ataque político à Sociologia e à Filosofia na universidade, pois, segundo o que escreveram, “...esses sociólogos e filósofos sempre mau vestidos, barbas mau feitas e cabelos todo imundo parecem que não sabem o que é higiene pessoal”. Os comentários são racistas porque supõem ainda que um negro não teria condições de ser doutor e que os baixos rendimentos nos “resultados em exames educacionais” se deveria a presença dos negros na universidade, pois segundo afirmou um dos preconceituosos, “A Ufes produz esse tipo de doutor”. Deste modo, o racista procura atingir a comunidade negra e a Universidade por formar negros doutores. A mentalidade racista entende que as universidades seriam lugares de formação da cultura acadêmica específicos para homens e mulheres não negros/as. O racismo, deste modo, tenta impedir o acesso de integrantes da comunidade negra aos lugares de produção da cultura acadêmica.
Entendemos que a ascensão e as ações do doutor Gustavo chamaram a atenção dos preconceituosos e recalcados de plantão, que não suportaram ver o seu destaque pelo brilhante trabalho que vem realizando como professor e pró-reitor. Como nos inspira a refletir o advogado e sociólogo Max Weber (Economia e Sociedade. 3. ed., Brasília: Editora da UNB, 1972), a partir de suas pesquisas nos EUA logo depois do fim da escravidão, aqueles que tiveram o seu status social rebaixado pelo fim do sistema escravocrata, alimentam seus egos de descendentes de senhores ao verem estampados nas manchetes de jornais da atualidade que “os negros são descendentes de escravos” e suportam com desprezo negros/as que ascenderam socialmente, seja pelo processo de escolarização ou pelo comércio.
Lembramos igualmente que as ofensas ao Dr. Gustavo Forde são um ataque a um anseio de longa duração para que negras e negros tenham acesso ao direito fundamental à educação em todos os níveis. Direito esse que lhes foi negado oficialmente pelo Estado brasileiro por todo o período escravocrata e boa parte da República e que afetou negativamente os destinos de milhões de descendentes de africanos em nosso país. É Justiça o que exigimos à memória de nossos ancestrais que lutaram para que a atual geração de professoras e professores possam construir outros projetos em conjunto com os anseios emancipatórios de nossos jovens. Temos o dever de não deixar desperdiçar parte da vida de nossa juventude: vidas negras importam!
Deste modo, deixamos aqui o nosso protesto à falta de respeito e aos preconceitos movidos contra as pessoas devido às suas marcas físicas e raciais. E conclamamos ao doutor Gustavo a continuar sendo símbolo de inspiração para as novas gerações de afro-brasileiros e para outras etnias que nutrem sonhos de um país democrático, socialmente justo, e que defenda direitos iguais aos povos que fizeram parte de seu processo civilizatório, como bem preconiza a Constituição Federal de 1988.


Vitória / ES, 05 de maio de 2019.

Osvaldo M. de Oliveira, licenciado em Filosofia (PUC/MG), doutor em Antropologia pela UFSC, professor na UFES, pesquisador do NEAB/UFES e do Comitê Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia.
Sérgio Pereira dos Santos, pedagogo e doutor em Educação (UFES), professor na UFMT e pesquisador do NEPRE-UFMT.
Aissa Afonso Guimarães, graduada em Filosofia e doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ), professora da UFES e pesquisadora NEAB/UFES.
Patrícia Gomes Rufino Andrade, pedagoga, geógrafa, doutora em Educação, professora e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFES.
Kiusam Regina de Oliveira, pedagoga, mestre em Psicologia e doutora em Educação (USP), escritora, professora do Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais da UFES e pesquisadora do NEAB/UFES.
Sandro José da Silva, professor D/E Departamento de Ciências Sociais, da Licenciatura Indígena e no PGCS da UFES. Membro do Comitê de Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia e pesquisador do NEAB/UFES.
Marta Zorzal e Silva, doutora em Ciência Política (USP) e professora aposentada da UFES.
Cleyde Rodrigues Amorim, graduada em Ciências Sociais (UFG), doutora em Antropologia (USP), professora na UFES e pesquisadora do NEAB/UFES.
Raquel Mombelli, doutora em Antropologia (UFSC), pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social do Amazonas (PNCSA), do NEPI/UFSC e do Comitê Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia.
Adriano Pereira Jardim, doutor em Psicologia (UFRGS), professor da UFES, pesquisador do NEAB/UFES, Chefe do Departamento de Psicologia (UFES).
Ananda Bermudes Coutinho, bióloga (UniRio), mestra em Ciência Ambiental e doutora em Geografia (UFF), e Contramestra do Grupo de Capoeira Angola Volta ao Mundo.
Luiz Henrique Rodrigues, mestre em Ciências Sociais (UFES) e integrante do Instituto Elimu Professor Cleber Maciel.
Gisele Ribeiro, mestre em Linguagens Visuais (UFRJ), doutora em Artes Visuais (Universidad de Castilla-La Mancha), professora e pesquisadora (DAV e PPGA/UFES).
Gaspar Leal Paz, licenciado em Filosofia (UFRGS), doutor em Filosofia (UERJ) e professor da UFES.

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