Abaixo-Assinado (#34539):

Carta em repúdio à matéria “Mentes em Choque”, publicada pela revista Veja

Destinatário: Revista Veja

Mesmo em momento político onde variados direitos sociais estão ameaçados, ainda nos indigna a matéria publicada pela revista Veja, intitulada “Mentes em Choque”, com conteúdo retrógrado e preconceituoso.
Os hospitais psiquiátricos se constituíram, ao longo da história, como espaços de segregação e desrespeito a vida de seus internos, algumas vezes, sob o título de tratamento. O fundador da Psiquiatria, Phillippe Pinel, criou o chamado Tratamento Moral. Como o próprio nome demonstra, tal tratamento nada tinha de sanitário, mas, sim, de um julgamento moral do que desprezava os que, há época, eram chamados de alienados. O Tratamento Moral está na origem dos hospitais psiquiátricos/manicômios, pois Pinel acreditava que o isolamento do paciente do lugar que “gerou a alienação” o faria retornar à “sanidade”.
Entretanto, além de o Tratamento Moral não ter qualquer natureza científica e tampouco demonstrasse eficácia para o tratamento da alienação, desde suas origens, os hospitais psiquiátricos se constituíram como espaços de maus-tratos, incluindo-se ações que podem ser classificadas como torturas contra seus internos. Isto aconteceu em todo o mundo, e, de igual maneira, no Brasil, como ilustra a reportagem da própria revista Veja, de 27 de junho de 2013, sobre o Hospital Psiquiátrico de Barbacena.
Em resposta a isto, em muitos lugares do mundo, ocorreram movimentos que, compõem o que hoje se chamam movimentos de Saúde Mental. Estes movimentos questionam a eficácia dos hospitais psiquiátricos como locais de tratamento, bem como a centralidade e exclusividade do direcionamento do tratamento na figura de médicos psiquiatras, como se não existissem outros profissionais de Saúde. Entende-se que o que leva a um sofrimento psíquico tem determinação complexa: psicológica, social, além de biológica. A necessidade de uma “Atenção Psicossocial” parte desta complexidade, já admitida pela Organização Mundial da Saúde, quando definiu o conceito de saúde a partir de múltiplos determinantes, na década de 1940.
A Revista Veja chega, portanto, com 50 anos de atraso à discussão do campo, quando resume Saúde Mental à Psiquiatria. Agrava ainda sua desinformação quando resume o tratamento psiquiátrico à seus formatos biologicistas e farmacológicos, quando, mundialmente, as evidências científicas apontam para o sucesso das intervenções psicossociais. E, ainda, vai na contramão da chamada Reforma Psiquiátrica quando defende a internação em hospitais psiquiátricos para o sucesso do tratamento.
Em nenhum momento, a reforma psiquiátrica nega a necessidade de hospitalização. Por vezes, em uma quantia menor de casos, ela se faz necessária. Entretanto, tecnicamente, a hospitalização pode ser feita em qualquer hospital geral, desde que tenham curto intervalo de tempo, sem a necessidade de segregação e de estigmas advindos da internação em hospitais psiquiátricos.
Não se trata, como a matéria pretende fazer parecer, que a Reforma Psiquiátrica se resuma a uma “ideologia” para fechamento de hospitais psiquiátricos, mas, sim, de um movimento mundial estabelecido em evidências científicas presentes desde a década de 1960, de que hospitais psiquiátricos possuem efeitos que cronificam os problemas apresentados pelos pacientes, ao invés de permitir que possam ter vida digna em meio as comunidades onde residem, tendo efeitos iatrogênicos. Além disso, o fechamento de hospitais psiquiátricos não significa ausência de cuidados para pessoas com sofrimento psíquico, uma vez que nosso sistema de saúde prevê, em seu lugar, leitos psiquiátricos em hospitais gerais e redes substitutivas de cuidados, que, no Brasil, são organizadas pelos Centros de Atenção Psicossocial. Esta configuração permite a atenção não só individual ao paciente, mas à sua família e à sua comunidade.
Por isso, os trabalhadores da Saúde Mental repudiam a matéria veiculada pela revista Veja, que reduz o cuidado de pessoas com sofrimento psíquico a estratégias segregadoras, biologicistas e que nega os avanços científicos do campo. Defendemos o atendimento multiprofissional, do sujeito em seu território de origem, integrado à sua família e à sua comunidade, como qualquer outro cidadão. Acreditamos que técnicas e ética em Saúde devem andar de mãos dadas, no respeito ao sujeito e à sua possibilidade de vida em sociedade.

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