Abaixo-Assinado (#44751):

Representação MP - Planeta Atlântida - Interdição de Vias

Destinatário: MP RS

Xangri-lá, 31 de Janeiro de 2019

Exmo(a). Sr(a). Promotor(a) de Justiça

Nós, abaixo-assinados, moradores do bairro Atlântida, no município de Xangri-lá – RS, área estritamente residencial conforme plano diretor do município, viemos oferecer representação contra a Prefeitura Municipal de Xangri-lá e contra a empresa realizadora do “Evento” Planeta Atlântida a ser realizado nas dependências campestres da Sociedade Amigos do Balneário Atlântida (SABA) e expor os seguintes fatos:

​ O bairro Atlântida teve Vias Públicas interditadas e desviadas, prejudicando muito os deslocamentos pelo bairro. Algumas ruas simplesmente terminam em um paredão de metal, sem sinalização, sem iluminação, outras sofrem desvios por canteiros laterais, sem calçamento e que acumulam barro, inclusive em alguns casos impedindo a passagem do veículo e pedestres, estes últimos tem que literalmente colocar o pé no barro. Inexistiu qualquer aviso prévio, divulgação e tampouco sinalização destas interdições e desvios.
​Inicialmente, ressalta-se que o planejamento, projeto, regulamentação e operação do trânsito são atividades de competência, nas vias urbanas, , dos órgãos e entidades executivos de trânsito municipais, nos termos dos artigos 21, inciso II e 24, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Portanto, havendo a necessidade de bloqueios e desvios do trânsito, pode o órgão responsável realizar o fechamento da via pública, levando-se em consideração, além das circunstâncias específicas de cada caso, a finalidade de preservação do interesse público.

Importante esclarecer àqueles que se socorrem do direito de ir e vir para questionar as limitações impostas pelo órgão público que o artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal (CF/88) estabelece que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”, ou seja, o texto constitucional admite restrições, nos termos da lei.

Como ato administrativo, adotado pela Administração pública, é de se registrar que o bloqueio do trânsito possui determinados atributos, conforme a melhor doutrina de Direito Administrativo, dos quais destacamos a coercibilidade e a auto-executoriedade, que se traduzem, respectivamente, na obrigatoriedade de aceitação pelos administrados e na desnecessidade de intervenção do Poder Judiciário para sua validade.

Prova disso é que o artigo 209 do CTB estabelece, como infração de trânsito de natureza grave, sujeita à penalidade de multa, a transposição, sem autorização, de bloqueio viário, com ou sem sinalização ou dispositivos auxiliares.

Feitas estas considerações iniciais, quanto à legalidade do fechamento da via pública realizado pelo órgão de trânsito com circunscrição sobre a via, vejamos os aspectos que circundam a questão, em especial no que se refere às obrigações dos órgãos de trânsito e dos responsáveis pelas obras ou eventos motivadores do bloqueio da via.

Dispõe o artigo 95 do CTB:

Art. 95 - Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.

§ 1º - A obrigação de sinalizar é do responsável pela execução ou manutenção da obra ou do evento.

§ 2º - Salvo em casos de emergência, a autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via avisará a comunidade, por intermédio dos meios de comunicação social, com quarenta e oito horas de antecedência, de qualquer interdição da via, indicando-se os caminhos alternativos a serem utilizados.

§ 3º - A inobservância do disposto neste artigo será punida com multa que varia entre cinquenta e trezentas UFIR, independentemente das cominações cíveis e penais cabíveis.

§ 4º - Ao servidor público responsável pela inobservância de qualquer das normas previstas neste e nos arts. 93 e 94, a autoridade de trânsito aplicará multa diária na base de cinquenta por cento do dia de vencimento ou remuneração devida enquanto permanecer a irregularidade.

Da disposição acima, destacamos as quatro etapas estabelecidas para a realização de obras e eventos na via pública:


1ª. Prévia permissão.

O artigo 5º, inciso XVI, da CF/88 reza que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Assim, a prévia permissão a que se refere ao artigo 95 do CTB não pode constituir condição para a aprovação do direito de reunião, consagrado constitucionalmente, mas se faz necessária para que a Administração pública avalie cada situação, preparando-se para garantir à coletividade o direito ao trânsito em condições seguras, dever dos órgãos de trânsito, nos termos do § 2º do artigo 1º do CTB.

Neste aspecto, vejam que o artigo 95 se aplica apenas aos casos em que ocorrer perturbação ou interrupção da livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco a segurança, devendo-se, portanto, avaliar se aquele direito de reunião está sendo exercido de forma pacífica, nos termos estabelecidos pelo dispositivo constitucional.

A participação dos órgãos de trânsito na realização da obra ou evento, conforme o artigo 95, não se restringe apenas à permissão, já que os seus parágrafos, a seguir explicados, estabelecem outras obrigações, como a prestação de informações à comunidade, a fiscalização da obediência à regulamentação estabelecida e, até mesmo, a implantação da sinalização (como obrigação residual), já que o responsável pela obra ou evento, via de regra, não possui os mecanismos hábeis para a sinalização, como cones, cavaletes, tapumes etc.


2ª. Sinalização do local.

Dispõe o § 1º do artigo 95 que a obrigação de sinalizar é do responsável pela execução e manutenção da obra ou evento; entretanto, deve-se observar o disposto no artigo 80 do CTB, que restringe a implantação apenas da sinalização regularmente prevista, vedando-se a utilização de qualquer outra.

Assim, é de se consultar o Anexo II do CTB (alterado pela Resolução do CONTRAN nº 160/04), que, em seu item 3.7, trata dos dispositivos de uso temporário, conceituando-os da seguinte forma:

“São elementos fixos ou móveis diversos, utilizados em situações especiais e temporárias, como operações de trânsito, obras e situações de emergência ou perigo, com o objetivo de alertar os condutores, bloquear e/ou canalizar o trânsito, proteger pedestres, trabalhadores, equipamentos etc.”

Tais dispositivos, antes identificados nas cores amarela e preta, e atualmente nas cores laranja e branca (conforme nova configuração, estabelecida pela Resolução 160/04, que deve ser implantada, obrigatoriamente, até 30/06/07, de acordo com a prorrogação de prazo dada pela Deliberação do CONTRAN nº 50/06), são os seguintes: cones, cilindros, balizadores móveis, tambores, fitas zebradas, cavaletes (articulados e desmontáveis), barreiras (fixas, móveis, cancelas e plásticas), tapumes, gradis, elementos luminosos complementares e faixas.

Com exceção das empresas especializadas que frequentemente realizam obras ou eventos ou daquelas situações que não demandam tanta sinalização, é fato que o responsável pela obra ou evento não terá disponível facilmente a sinalização de trânsito regularmente estabelecida, acima tratada. Ademais, a implantação do sistema de sinalização constitui atribuição de competência do órgão de trânsito, conforme os artigos 21, III; 24, III e § 1º do artigo 90 do CTB, premissas a partir das quais podemos concluir pela responsabilidade subsidiária do órgão de trânsito.


3ª. Informação à comunidade.

A informação à comunidade, com antecedência mínima de 48 horas, a respeito do fechamento da via pública, somente não se exigirá nos casos de emergência, em que o bloqueio tenha ocorrido excepcionalmente, por situações extremamente pontuais.

Veja-se que, além da informação quanto ao fechamento da via, é obrigatória a indicação dos caminhos alternativos.

Os meios de comunicação social, mencionados no § 2º do artigo 95, são aqueles que, efetivamente, cumpram com o seu papel de informação, devendo o órgão de trânsito avaliar qual é a forma mais eficiente para atingir a comunidade usuária das vias em que se operou o bloqueio de trânsito, podendo-se utilizar os meios escritos (jornal, revista, panfletos), sonoros (radiodifusão, propaganda por alto-falante), ou audiovisuais (divulgação em canais televisivos regionais).

Vale destacar que, entre os meios de comunicação social, encontramos também as faixas de pano, que, a bem da verdade, constituem, como já exposto, tipos de dispositivos de uso temporários de sinalização.


4ª. Fiscalização do cumprimento do artigo 95.

Verificadas as três etapas anteriores, chegamos à fiscalização do cumprimento de tais disposições, ou seja, quais são as consequências para o fechamento irregular das vias públicas, seja por não estar autorizado, não sinalizado ou não informado à comunidade.

Daqui, temos dois desdobramentos: a aplicação de penalidade ao responsável pela irregularidade e a punição ao servidor do órgão de trânsito que inobservou o preconizado na lei.

A competência para a fiscalização do artigo 95, aplicação de penalidades e arrecadação de multas é dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, nas vias urbanas.

Por se tratar de imposição de penalidade, entendemos como aplicável o processo administrativo de trânsito, excluindo-se o atinente à elaboração do auto de infração, notificação da autuação e defesa da autuação, pois tais etapas se referem apenas à ocorrência de infrações de trânsito, que não é o caso. Assim, na aplicação de penalidade por inobservância ao artigo 95, deve a autoridade de trânsito expedir a notificação de penalidade, nos termos do artigo 282 do CTB.

As demais disposições do processo administrativo de trânsito são, igualmente, aplicáveis ao presente caso, como recurso em primeira e segunda instâncias.

A aplicação da penalidade de multa não isenta os responsáveis pela irregularidade das cominações cíveis e penais cabíveis, como prevê a parte final do § 3º do artigo 95, disposição de certa forma redundante, já que toda ação ou omissão contrárias à lei têm como possíveis consequências as punições nas três esferas (administrativa, cível e penal), conclusão consubstanciada na chamada tríplice responsabilidade.

As cominações cíveis cabíveis ao presente caso referem-se às eventuais indenizações devidas àqueles que, se sentindo ofendidos com a irregularidade constatada, ajuizarem a competente ação judicial para a reparação de danos.

Concluindo:

O fechamento da via pública pelo órgão de trânsito ou rodoviário, com circunscrição sobre ela, é legalmente admitido, quando observadas as disposições do artigo 95 do CTB, e considerando-se os princípios da Administração pública, entre eles o da finalidade, que se relaciona com o interesse público.

As responsabilidades dos órgãos de trânsito estão consubstanciadas em quatro etapas: prévia permissão para a realização da obra ou evento, implantação da sinalização de trânsito; informação à comunidade quanto à interdição (exceto em casos de emergência) e fiscalização do cumprimento das etapas anteriores, com a aplicação de penalidades aos infratores.

Por último, lembramos do disposto no § 3º do artigo 1º do CTB, que contempla a responsabilidade objetiva dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, por AÇÃO, OMISSÃO ou ERRO na execução de serviços que garantam o exercício do direito ao trânsito seguro, o que evidencia a necessidade de obediência aos preceitos ora tratados.

Vemos para tanto, que a Prefeitura Municipal de Xangri-lá, a SABA como locatária e o Organizador do Planeta Atlântida que realizou as interdições e desvios das Vias Públicas não observaram os dispostos no artigo 95 do CTB, demonstrando total descaso com a comunidade local, bem como total despreparo dos órgãos e entidades executivos de transito do município.

Assine este abaixo-assinado

Dados adicionais:


Por que você está assinando?


Sobre nós

O AbaixoAssinado.Org é um serviço público de disponibilização gratúita de abaixo-assinados.
A responsabilidade dos conteúdos veiculados são de inteira responsabilidade de seus autores.
Dúvidas, sugestões, etc? Faça Contato.


Utilizamos cookies para analisar como visitantes usam o site e para nos ajudar a fornecer a melhor experiência possível. Leia nossa Política de Privacidade.